Em um exercício de alteridade, feche os olhos e tente “ver” um filme que você nunca viu antes. Sem o recurso da visão, fica difícil ter a compreensão completa da obra e entender aquilo que não é dito por meio dos diálogos: a cor dos cabelos do mocinho, o figurino da mocinha, os olhares apaixonados, o caminhar no horizonte e outras simbologias que significam tanto quanto o que se vê, como movimentos de câmera e enquadramentos, típicos da linguagem cinematográfica.
Curso inédito no país, a Especialização em Audiodescrição, que teve seu segundo encontro presencial nos dias 24 a 26 de junho na Universidade Federal de Juiz de Fora, trouxe na sua programação o ensinamento de técnicas para elaboração de roteiros para a audiodescrição, recurso que auxilia na inclusão cultural de pessoas com deficiência visual a obras cinematográficas, televisivas e teatrais. Na modalidade semipresencial, o curso promovido pela UFJF em parceria com Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência teve início em março deste ano e segue na plataforma de ensino a distância, com previsão de término em agosto de 2015.
Realizado durante três dias seguidos no Auditório da Faculdade de Engenharia, o encontro contou com a presença de pioneiros na implantação do recurso no país como os professores Lívia Motta, Bell Machado e Maurício Santana. Coordenadora Pedagógica do curso e professora na disciplina Audiodescrição no teatro, Lívia Motta esclarece a principal característica do recurso. “Deve ter uma adequação da linguagem, mas ela não precisa ser neutra, tem que transmitir todo o encanto da cena”, explica.
Ela acredita ainda que para uma audiodescrição de qualidade “é preciso pintar a cena, traduzir gestos, expressões fisionômicas tentando ser objetivo mas sempre com um traço de poesia.”
A avaliação do curso tem sido bastante positiva, na visão de Lívia Motta. “Tenho ficado bastante animada, motivada e satisfeita com a produção dos alunos que tem tido um envolvimento muito grande. Tenho percebido que cada um está com um plano, um projeto em mente para estar desenvolvendo o recurso em suas regiões, com uma variedade de ideias e propostas. Isso é importante porque vamos ver o resultado disso com a divulgação do recurso da audiodescrição nessas regiões e muito mais pessoas beneficiadas que vão ter a sua inclusão cultural, escolar e social.”
Professora na disciplina Audiodescrição no cinema, Bell Machado avalia a importância do curso para efetivação de políticas
públicas inclusivas. “A audiodescrição é fundamental não só para as pessoas com deficiência visual, dislexia, baixa visão, mas é importante para conscientizar a sociedade e as esferas de governo para que promovam políticas públicas que possibilitem o acesso dessas pessoas aos lugares públicos. O curso está fomentando uma questão política importante, que é o espaço das pessoas com deficiência na nossa sociedade. Isso é o mais fundamental, cada um que vai sair daqui vai sair para lutar para que as políticas públicas se ampliem.”
A professora se refere ao cerca de cinquenta alunos das cinco regiões do país que estiveram presentes ao encontro. Luciene Fernandes é de João Pessoas/PB e acredita no poder de alcance do recurso. “Enxergar com palavras é algo que a gente não tem a dimensão, a gente vê o alcance e a felicidade das pessoas com deficiência visual que têm condições de estar inserida, de exercer sua plena cidadania, poder estar participando, estar integrado no meio acadêmico, social, do lazer. É uma curso importante e a universidade está de parabéns em promover e só temos a agradecer porque precisamos disso para ampliar a educação e alcançar todo esse público.”
Saldo positivo
Larissa Hobi também é de João Pessoa e valoriza o encontro presencial. “Eu acho que esses encontros presenciais são importantes para a gente conversar e praticar o que a gente vêm discutindo no ambiente virtual. Eu estou achando o curso bem interessante, a forma como ele foi estruturado, a gente está tendo acesso a várias informações para depois cada um dar um direcionamento no que pretende trabalhar dentro da audiodescrição.”
Zaira Marmud, do Rio de Janeiro acredita que a interação presencial é importante para o desenvolvimento do aprendizado. “A oportunidade de estar aqui é maravilhosa, porque essa interação não só com o grupo, mas com os professores nos ajuda a tirar dúvidas. Essa questão de estar todos juntos, presencialmente, faz muita falta, até pela forma como a gente se posiciona, um colega pergunta uma coisa que pode ser sua dúvida.”
De Juiz de Fora, a aluna Patrícia Gomes de Almeida também acredita na importância da presença de cada um. “O encontro tem sido bastante gratificante porque reúne pessoas de vários estados e com várias experiências, isso é muito rico, principalmente para uma cidade como Juiz de Fora que ainda não tem o recurso na vida cultural, nas escolas.” A aluna Jamile Galvão Sampaio veio de Manaus/AM e está tendo uma visão positiva do recurso. “O mundo precisa ser acessível, independente de você ter uma deficiência ou não. Então quando você aprende uma ferramenta como a audiodescrição, vê que existe a possibilidade de inclui-la na sua realidade.”
Convidada especial, Mimi Aragón de Porto Alegre acha a oportunidade da troca é um presente. “Eu acho um presente poder aqui, é
uma oportunidade de conhecer pessoas novas, de ver colegas que não via há algum tempo, partilhar. Na minha empresa em Porto Alegre a gente tem esse discurso e essa prática da partilha, da formação de redes, acho que é assim que a gente cresce e desenvolve o recurso da audiodescrição. A gente acredita que não podemos produzir acessibilidade “encastelado”, quietinho num canto, então essa oportunidade de estar aqui eu acho que é de uma riqueza infinita.”
Deficiente visual Elizabeth Dias de Sá, de Belo Horizonte ficou muito satisfeita com o encontro. “O curso está muito bem organizado, com conteúdo programático muito importante, contemplando todas as áreas e com um nível de exigência do conhecimento acadêmico e da aplicação da audiodescrição em diversas áreas. É um curso pioneiro, o corpo docente é altamente qualificado e tem esse diferencial, que nós temos audiodescritores com diferentes experiências e eu, como pessoa cega, estou aqui para me
qualificar como consultora.”
Membro do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoas com Deficiência em Brasília e aluno do curso, Jorge Amaro de Souza Borges encara o curso como uma experiência nova. “Para mim o curso está sendo importante porque está mesclando pessoas como eu que estão tendo o primeiro contato com a audiodescrição. Gostei de ser um encontro longo, que é quase uma imersão. O que percebo é que para grande parte das pessoas com deficiência visual a audiodescrição ainda é uma desconhecida e as pessoas que conhecem não acham que é um direito e sim um “plus” a mais. Por isso acho que os conselhos têm papel importante de divulgar, que não é um favor, é um direito que elas têm que reivindicar porque é algo que as coloca em igualdade de condições com outras pessoas.”